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Arthur Ituassu

As instituições precisam funcionar

Atualizado: 27 de abr. de 2020

Se atuassem adequadamente, Bolsonaro não teria sido nem candidato, quanto mais presidente

(Foto: Agência Brasil)


No momento em que alguns especialistas exaltam a força das instituições brasileiras na defesa da democracia, é preciso dizer: se estivessem realmente funcionando, Bolsonaro não teria sido sequer candidato, quanto mais presidente. Afinal, os possíveis crimes listados pelo ex-ministro da Justiça Sergio Moro em sua saída do governo são apenas mais um novo elemento da longa lista de ilegalidades cometidas pelo político, que contou sempre com o perdão das instituições.


Em 24 de maio de 1999, por exemplo, o então deputado pelo PPB Jair Bolsonaro afirmou ao programa "Câmera Aberta", da TV Bandeirantes: "Através do voto você não vai mudar nada nesse país, nada, absolutamente nada. Você só vai mudar, infelizmente, quando um dia nós partirmos para uma guerra civil aqui dentro. E fazendo um trabalho que o regime militar não fez, matando uns 30 mil. Começando com FHC, não deixando ir para fora, não. Matando! Se vai morrer alguns inocentes (sic), tudo bem".


Perguntado o que faria caso fosse presidente da República, Bolsonaro não titubeou: "[D]aria golpe no mesmo dia. [O Congresso] não funciona! Tenho certeza que pelo menos 90% da população ia fazer festa e bater palma. O Congresso hoje em dia não serve pra nada, xará. Só vota o que o presidente quer. Se ele é a pessoa que decide, que manda, que tripudia em cima do Congresso, então dê logo o golpe, parte logo pra ditadura".


A Câmara abriu processo de cassação do então deputado por quebra de decoro parlamentar, mas o caso nunca foi para a frente. Na eleição seguinte, Bolsonaro foi eleito para o quarto mandato com quase 89 mil votos.


Quinze anos depois, Jair Bolsonaro disse, na Câmara dos Deputados, à representante Maria do Rosário (PT-RS), que ela "não merecia ser estuprada porque é muito feia". Em resposta à parlamentar, que o havia chamado de "estuprador", Bolsonaro disse: "Ela é muito ruim, ela é muito feia, não faz meu gênero, jamais a estupraria. Eu não sou estuprador, mas, se fosse, não iria estuprar, porque não merece". Sobre o caso, a Justiça determinou que Bolsonaro pagasse uma indenização de R$ 10 mil à deputada.


Em novo episódio, durante a votação do impeachment da presidente Dilma Rousseff, em 17 de abril de 2016, o deputado Jair Bolsonaro afirmou ao expressar formalmente seu posicionamento a favor do processo: "Pela memória do coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, o pavor de Dilma Rousseff". O coronel Ustra comandou o DOI-Codi (Destacamento de Operações Internas) de São Paulo entre 1970 e 1974, durante a ditadura militar. Paira sobre o oficial a acusação de tortura de até 500 pessoas e de morte ou desaparecimento de pelo menos 60 pessoas.


O Conselho de Ética da Câmara abriu processo contra o parlamentar por "apologia à tortura", o que poderia lhe valer a cassação do mandato. No entanto, o mesmo Conselho arquivou a representação contra o deputado em 9 de novembro de 2016, com 11 votos contrários e apenas um a favor do relator Odorico Monteiro (PROS-CE), que pedia apenas o prosseguimento das investigações.


Mais recentemente, em um evento da última campanha no Clube Hebraica, no Rio de Janeiro, o então candidato Jair Bolsonaro fez uma série de afirmações racistas e discriminatórias. Previsto em lei específica, a 7.716/1989, o racismo é considerado um crime contra a coletividade e não contra uma pessoa ou grupo específico. Pode ser tanto dizer “todos os negros são macacos”, como recusar acesso a estabelecimento comercial ou elevador social de um prédio. O crime de racismo é inafiançável, imprescritível e a pena vai de um a três anos de prisão e multa.


No evento de campanha no Clube Hebraica, em abril de 2017, Bolsonaro disse que havia ido a um quilombo. "O afrodescendente mais leve lá pesava sete arrobas. Não fazem nada. Eu acho que nem para procriador ele serve mais. Mais de R$ 1 bilhão por ano é gasto com eles", afirmou na ocasião, em meio a outras frases como: "Eu tenho cinco filhos. Foram quatro homens, a quinta eu dei uma fraquejada e veio uma mulher", "Eu não tenho nada a ver com homossexual. Se bigodudo quer dormir com careca, vai ser feliz" e "Tínhamos na presidência um energúmeno que são sabia contar até dez porque não tinha um dedo". Em junho de 2019, a Justiça brasileira inocentou o já presidente no processo no qual era acusado de racismo contra negros e quilombolas.


Segundo o jornal O Globo, o Ministério Público Federal argumentou que Bolsonaro se valeu de "expressões injuriosas, preconceituosas e discriminatórias" para "ofender, ridicularizar e desumanizar" minorias sociais ao associá-las "à condição de animal". Por outro lado, a defesa alegou que a acusação tinha "flagrante cunho político" e que suas declarações haviam sido interpretadas "de forma tendenciosa, com intuito de prejudicar sua imagem e a de sua família". Também apontou que, por ser parlamentar, tinha imunidade inviolável para dar opiniões e que não tinha preconceito — apenas usara "piadas e bom humor" na ocasião da palestra.


Em 2020, mesmo antes do pronunciamento de Sergio Moro, a Folha de S. Paulo contabilizou pelo menos 15 casos com possível crime de responsabilidade pelo presidente desde janeiro, incluindo a participação de Bolsonaro em protesto antidemocrático, pelo fechamento do Congresso e do STF, em Brasília, em 15 de março. Por que iria ser diferente?


O funcionamento isento e imparcial das instituições, especialmente a Justiça e a imprensa, são um pré-requisito fundamental de qualquer regime democrático. De fato, para muitos autores, a diferença de qualidade entre as democracias espalhadas pelo planeta se dá exatamente nesse ponto. Democracias funcionam melhor quando suas instituições atuam de forma independente das preferências políticas dos agentes. Infelizmente, nesse quesito, a democracia brasileira ainda tem um longo caminho a trilhar. Lula não pôde ser candidato, Bolsonaro sim.


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